Do Batismo
Se realmente
quisermos entender plenamente a doutrina do batismo, a mesma deve ser analisada
na ótica do plano único da salvação. Nessa percepção faz-se necessário
considerar o batismo a partir da aliança de Deus com o seu povo desde o
princípio, assim encontramos paralelos fundamentais desse sacramento, meio de
graça, sinal e selo para com os eleitos do Senhor, no Novo e no Antigo
Testamento.
Neste artigo
serão apresentadas, de forma sucinta, as bases e principais diferenças entre as
três administrações do batismo:
- Batismo de
adultos e crianças a partir da idade da razão (credobatismo): Posição batista,
pentecostal e neopentecostal;
- Batismo
infantil reformado (pedobatismo): Posição das igrejas reformadas;
- Batismo
infantil romano (pedobatismo): Posição da igreja católica apostólica romana
(ICAR);
De forma alguma o
assunto será aqui esgotado, meu intuito é dirimir dúvidas recorrentes e
básicas. Acredito ainda que muitos que lerão este artigo terão o seu primeiro
contato com a base bíblica para o batismo de crianças, ficarão surpresos ao
saber que este não é um resquício que as igrejas reformadas herdaram da ICAR e,
quem sabe, serão despertados a aprofundar no estudo do tema, não se contentando
com a superficialidade oferecida pelos argumentos do senso comum e práxis
contemporânea (segue ao final do artigo bibliografia utilizada para
aprofundamento nos estudos).
História
O batismo cristão
foi instituído por Cristo depois de consumada a obra de reconciliação. O
batismo é sacramento, e por isso, um dos meios pelo qual o Senhor derrama sua
graça sobre seus filhos. Desde o princípio da igreja de Cristo o batismo era
considerado rito de iniciação na congregação dos justos e assim permanece até
os dias de hoje.
Ao longo da
história da igreja o batismo tem sido ministrado com duas principais
diferenças: quanto à idade, crianças e adultos, e quanto à forma, aspersão e
imersão. Contudo a teologia por trás deste sacramento não é tão simples e seu
estudo é negligenciado na grande maioria das igrejas neopentecostais, pentecostais
e batistas, mas até mesmo nas reformadas, leia-se calvinistas, muitos tem
batizado seus filhos por simples tradição, não atentando para a
responsabilidade deste ato diante de Deus e da igreja. Ainda assim as
reformadas são mais dadas a este estudo, até mesmo para que se exponha de forma
satisfatória a sua posição pedobatista que é pactual e aliancista.
A prática do
batismo exclusivo de adultos iniciou-se no século XVII, anterior a esta data o
batismo infante era a prática comum e só foi questionado pelos reformadores
radicais, os anabatistas ou rebatizadores. Corrobora com esta afirmação o
registro de Bavink, em sua Dogmática Reformada, ao final do século XIX: “Hoje em dia, a maioria das igrejas conhece
o batismo, virtualmente, apenas como batismo infantil. Com exceção dos campos
missionários e das igrejas batistas, o batismo de adultos é uma exceção”.
Os registros
históricos dos “pais primitivos” da igreja cristã apontam a prática do batismo
de crianças como apostólica e comum, dentre eles pode-se citar Policarpo (Séc.
I), Irineu (Séc. II), Tertuliano (Séc. II), Justino Mártir (Séc. II), Orígenes
(Séc. III), Hipólito (Séc. III) e Agostinho (Séc. IV).
A maior objeção
ao batismo de crianças dá-se, na verdade, pela associação errônea do batismo
reformado com o batismo da igreja de Roma. Esta associação parte, em geral, dos
dispensacionalistas, dos neófitos e dos que desconhecem completamente a base
bíblica teológica que subsidia a sua prática.
Batistas
A posição
batista, introduzida pelos anabatistas no século XVII, é a que predomina na
igreja de hoje. Os batistas defendem o batismo por imersão para adultos e, em
alguns casos e congregações, crianças acima dos cinco ou seis anos de idade,
quando estes demonstram interesse de serem batizados, e tomam a decisão de
“descer” às águas mediante confissão pública de fé.
Para os
anabatistas as crianças não tinham lugar nenhum na igreja, os adultos
tornavam-se parte da igreja de Cristo através do batismo, este era sempre
ministrado por imersão e precedido de confissão pública de fé. Esta posição
ganhou notoriedade pelo aumento do volume de fieis batistas, pentecostais e
neopentecostais, por isso é a menos debatida na igreja hoje, já que, além de
representar o pensamento da maioria cristã evangélica, apresenta argumentos
simples e diretos, aparentemente contundentes, já que os textos bíblicos
apresentados são diretos e tem aspecto de suficiência em si mesmos, todavia o
argumento desconsidera a unidade das escrituras no Antigo e Novo Testamentos.
De forma prática
esse batismo representa a regeneração, marca o início da nova vida em Cristo,
mas não sela a salvação, pois como a grande maioria batista é arminiana esses
crêem que pode-se “cair da graça” e “perder” a salvação. Consideram ainda o
batismo como ordenança e não sacramento, empobrecem seu significado quando
afirmam que o batismo é apenas um símbolo, não lhe atribuindo a posição de
sinal e selo da aliança de Deus com o seu povo eleito.
Os batistas se
opõem de maneira veemente ao batismo infante, já que baseiam-se no princípio da
fé ativa para tal, mas como então resolver, pela lógica, o problema criado pelo
argumento que utilizam para defender a salvação das crianças, já que estas
ainda não podem confessar publicamente a fé? Enfim, ainda não foi revelado argumento
satisfatório para harmonizar o problema exposto.
Pedobatistas
Constituem a
grande maioria das igrejas reformadas, batizam crianças, sendo elas filhos de
pais crentes, ambos os pais, ou um só. Esse batismo é ministrado usualmente por
aspersão e tem como fundamento a teologia aliancista ou teologia do pacto. Os
reformados baseiam-se em princípios não tão simples e diretos quanto os
batistas para a sua prática, mas em fundamentos profundos da soberania e
eleição de Deus para um povo separado para Ele. O princípio dessa aliança do
Senhor com o Seu povo foi firmada desde a eternidade e confirmada em Adão, Noé,
Abraão, Moisés, Josué, Davi e, de forma cabal e definitiva, em Cristo. Contudo
os reformados não entendem estas alianças como diferentes dispensações, mas a
mesma dispensação administrada de formas diferentes, considerando desta forma o
Antigo Testamento (Antiga Aliança) e o Novo Testamento (Nova Aliança) como uma
unidade orgânica e não como unidade fracionada como procedem os
dispensacionalistas.
Embora não haja
instrução direta para batismo de crianças nas escrituras, também não vemos sua
proibição. Tanto nos evangelhos quanto nos escritos apostólicos, a igreja de
Cristo estava começando (igreja missionária), assim apenas adultos se
converteriam e somente mais tarde estes cristãos alcançariam o discernimento da
necessidade de instruir os seus filhos nos caminhos do Senhor e então
batizá-los. Ainda assim temos vários exemplos de famílias inteiras sendo
batizadas e, embora não haja prova conclusiva, pode-se supor que nessas
famílias, geralmente numerosas, houvessem crianças.
Vale
ainda discorrer a respeito da aliança de Deus para com os seus. A aliança de
Deus com Abraão era, em primeiro lugar, uma aliança espiritual, nessa aliança a
circuncisão era um sinal e selo. Esta aliança ainda está em vigência e é igual
à aliança da presente dispensação, isso se dá porque o Mediador é o mesmo, a fé
é a mesma e as bênçãos são as mesmas. As crianças sempre participaram das
benesses da aliança, de forma que o sinal e o selo era a circuncisão, e através
dela eram consideradas parte integrante do povo de Deus, Israel, estavam
presentes quando a aliança era renovada e estavam presentes nas assembléias
religiosas. Se as crianças fossem excluídas na nova dispensação uma declaração
clara a respeito deveria ser registrada e ensinada por Jesus e pelos apóstolos,
todavia o batismo substitui a circuncisão, mas se as crianças não são mais
circuncidadas qual seria o sinal e selo para elas? Ou as crianças não devem
mais ser introduzidas à nação de Deus? Ora, se as crianças recebiam o sinal e
selo da aliança na antiga dispensação, pressupõe-se que elas têm direito de
recebê-lo na nova, já que os fiéis do Velho Testamento eram ensinados a
aguardá-la como sendo uma dispensação muito mais completa e muito mais rica que
a primeira. Encontramos ainda a declaração de Paulo em Cl 2:11,12 que liga a
circuncisão ao batismo, ensinando que a circuncisão de Cristo, ou a circuncisão
do coração que é simbolizada pela circuncisão da carne, agora é realizada pelo
batismo, pelo que ele simboliza.
Abaixo
trecho do argumento de João Calvino a favor do batismo infante:
Portanto, é evidente que o batismo infantil não foi inventado temerariamente pelos homens, porquanto é confirmado de modo irrefutável pela Escritura. Tampouco tem valor algum a objeção que alguns apresentam de que em parte alguma se acha sequer uma criança sendo batizada pelas mãos dos apóstolos. Pois embora isto não seja expressamente narrado pelos evangelistas, todavia, visto que elas não são, por outro lado, excluídas sempre se faz menção de alguma família batizada, quem, a não ser que seja demente, daí não concluiria que tais crianças foram de fato batizadas?
Caso argumentos desse gênero tivessem alguma força, as mulheres deveriam igualmente ser vedadas da Ceia do Senhor, das quais não lemos que fossem admitidas no tempo dos apóstolos. Mas também aqui nos contentamos com a regra da fé, pois quando ponderamos qual seja o propósito da instituição da Ceia, disso também é fácil concluir que o uso deve ser-lhe comunicado, o que também observamos no batismo. Com efeito, quando atentamos para o propósito de sua instituição, vemos claramente que o batismo também compete às crianças, não menos que aos mais avançados em idade. Conseqüentemente, as crianças não podem ser privadas dele sem que se faça manifesta perfídia ao desígnio de Deus, seu Autor. A afirmação que se divulga entre o povo comum, de que uma longa série de anos passou depois da ressurreição de Cristo, durante a qual o pedobatismo era desconhecido, é uma despudorada falsidade, visto que não há escritor, por mais antigo que seja, que não trace sua origem aos dias dos apóstolos.
Como os
reformados consideram o batismo um sacramento, cabe aqui o registro deste
assunto contido na Confissão de Fé de Westminster (Cap. XXVII,
Art.I.):
Os sacramentos são santos sinais e selos do pacto da graça, imediatamente instituídos por Deus para representar Cristo e seus benefícios, e confirmar o nosso interesse nele, bem como para fazer uma diferença visível entre os que pertencem à Igreja e o restante do mundo, e solenemente obrigá-los ao serviço de Deus em Cristo, segundo a sua Palavra.
Ainda
conforme a CFW (Cap. XXVII) batismo deve ser feito em água, em nome do Pai, do
Filho e do Espírito Santo, por um ministro ordenado do Evangelho. Pode ser
feito por imersão, efusão ou aspersão, não só os que de fato professam a sua fé
em Cristo e obediência a ele, mas também os filhos de pais crentes (ainda que
só um deles o seja) devem ser batizados. É um sacramento importante, mas não é
considerada essencial à salvação ou garantia de regeneração para os que o
recebem. Sobre a sua eficácia, toma-se como pressuposto que, no batismo, a
graça do Espírito Santo é mais do que oferecida, ela é manifestada e conferida pelo
Espírito Santo àqueles que, de acordo com o conselho da vontade de Deus e no
tempo determinado, devem recebê-la.
Católicos
A ICAR tem também
como prática o batismo infante, mas traz em sua visão teológica vários pontos
que são refutados pelos reformados. Essa teologia sofre forte influência do
universalismo no que diz respeito à salvação, além de toda a evolução mística e
simbólica imputada à prática ao longo dos anos.
Abaixo alguns
pontos defendidos pela teologia católica romana no batismo, pontos que de
maneira alguma são aceitos pelos reformadores e que distinguem, a não ser pela
forma, completamente o batismo romano do batismo das igrejas reformadas:
- O batismo
liberta do pecado original;
- No batismo
recebe-se para sempre a Cristo;
- No momento do
batismo a criança é regenerada;
- A água traz em
si algo mágico, um poder divino em sua substância que garante a eficácia do
batismo;
- O batismo age ex opere operato, isto quer dizer, é eficaz pela ação do
próprio objeto;
- É ministrado em
nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo e também em nome de alguma padroeira,
padroeiro ou santo, considerando-se a ocasião e regionalidade;
- No momento do
batismo Deus designa um anjo para proteger e aconselhar esta criança por toda a
vida, usualmente chamado de anjo da guarda, mas a doutrina católica romana o
define como “Anjo Custódio”;
Desta forma,
ainda que os Católicos Romanos façam menção à aliança de Deus com Seu povo e
substituição da circuncisão, pode-se concluir que a base para o batismo de
crianças é muito diferente entre as duas linhas teológicas.
Considerações Finais
Pela
breve exposição nota-se que, analisando o batismo a partir a teologia da
aliança, há um vasto e sólido conjunto de argumentos bíblicos que legitimam o
batismo de crianças. O pedobatismo considera e estabelece ainda como primordial
a responsabilidade dos pais em estimular e educar de maneira mui zelosa seus
filhos no caminho do Senhor, deixando claro também que as crianças são parte do
Reino de Deus e por isso são parte da igreja de Cristo.
Atualmente
os membros da Igreja Presbiteriana do Brasil ainda encontram problemas quando
solicitam transferência para as Igrejas Batistas Brasileiras, filiadas à CBB,
pois essas determinam que os batizados na infância sejam rebatizados para
integrar a igreja local. Contudo a IPB recebe como membros os que advêm de
igrejas genuinamente cristãs, que passaram por batismo bíblico, claro, após
cuidadoso exame das convicções doutrinarias destes por parte do conselho,
demonstração de fé em Jesus Cristo como único Senhor e Salvador, além da
necessidade de se professar está fé diante da igreja local. Aqueles que vêm de
denominações consideradas como seitas pela IPB, adeptas de teologia e
procedimentos contrários à Bíblia, devem passar pelo processo de catecumenato
para só então serem batizados e recebidos como parte da igreja de Cristo.
Cabe
ainda ressaltar que, apesar de todas as diferenças sobre o batismo, as igrejas
genuinamente cristãs e evangélicas, continuam a reconhecer um só Senhor, uma só
fé e um só batismo ministrado sempre em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo.
Em tempo,
o que define o corpo de Cristo, não é a forma de administrar o batismo, muito
menos questões secundárias e terciárias da fé, mas sim a convergência nos
pontos principais da fé em Jesus Cristo, por exemplo, o que é fundamental no
Credo Apostólico, a inerrância e suficiência da Bíblia como Palavra de Deus,
a necessidade de santificação, a busca pela glória de Deus, por estes, e outros
pontos, tanto reformados como pentecostais consideram-se irmãos e devem
conviver fraternalmente em Cristo. Todavia creio que a doutrina reformada
imuniza contra as heresias que insistem em proliferar em nossas igrejas, é
fundamental para amadurecimento do cristão e garante verdadeiro desfrutar da maravilhosa
graça do Senhor. Entretanto, também por essa graça, tenho a convicção que a
salvação não está de forma alguma atrelada ao conhecimento teológico do homem,
mas sim ao beneplácito da vontade de Cristo Jesus.
Saudações
em Cristo,
Cláudio
Maranhão
P.S.1: Escrevo como dissidente da doutrina batista, batizado na idade da razão, pois me converti adulto, já que nasci em família católico romana. Defendi por muitos anos o credobatismo por simples desconhecimento da visão reformada, contudo respeito à opinião dos meus amados irmãos em Cristo;
P.S.2: Meus filhos João Pedro (agora com 04 anos) e Arthur (agora com 03 meses) já foram batizados, pois creio que nasceram para a salvação, são parte da aliança que Deus fez com seu povo escolhido desde a eternidade e pertencem, indubitavelmente, à igreja do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo;
Bibliografia:
A Confissão de Fé de
Westminster. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.
BAVINCK,
Herman, Dogmática Reformada vol. 3, 1ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática.
São Paulo: Cultura Cristã
CALVINO, João. As Institutas. Vol. IV. Trad. Odayr Olivetti. São Paulo: Cultura
Cristã, 2006.
DOUGLAS,
J.D. O Novo Dicionário da Bíblia, Vol. 1, 3ª Ed. São Paulo, Vida Nova, 2006
HANKO, Herman. Duas dispensações? http://monergismo.com/herman-hanko/duas-dispensacoes/ - Acessado em 14/5/2013
Manual Presbiteriano 2013, São Paulo
PEREIRA, Helder Nozima.
Uma Análise Histórico-Teológica do Batismo Infantil, Monografia, BRASÍLIA, 2006
Declaração
Doutrinária da Convenção Batista Brasileira.
Princípios
Batistas.
Fantástico. Parabenizo pelo maravilhoso esclarecimento.
ResponderExcluirObrigado
Mis. Wilma
IPB em Nono Horizonte - Serra - ES
Obrigado pelas palavras de encorajamento irmã. A Deus toda a Glória.
ExcluirAbraços fraternos,
Cláudio